Caio Castro e a experiência do armário

Caio Castro e a experiência do armário

 

 

Por Marcelo Hailer, para A CAPA

A polêmica de Caio Castro envolve toda uma questão que vai muito além do estar dentro ou fora do armário. Diz respeito a maneira como os sujeitos gays se portam em público. Existem milhares de homossexuais que estão fora do armário para seus familiares, amigos e colegas de trabalho. Porém, não trocam carícias em público, reprovam os outros homossexuais que o fazem, aceitam a matemática de que o afeto gay deve ser realizado apenas entre quatro paredes alegando o fator de que não é “seguro” trocar carinho em locais públicos. Não seria isso uma outra maneira de estar dentro do armário?

 

Quando afetos gays são realizados em espaços públicos, que culturalmente e até mesmo institucionalmente, são espaços reservados/ legalizados para o afeto heterossexual, ou seja, quando dois corpos do mesmo gênero resolvem romper com o armário do espaço público e assumir o seu afeto, um choque se constrói em torno dos corpos classificados enquanto heterossexuais, é como se os dois corpos iguais a se abraçar e a se beijar representassem uma ameaça as normas do “bem viver” dos heterossexuais.

Conhecemos o sair do armário em escala coletiva quando se da a realização de Paradas Gays ao redor do Brasil. No momento em que acontece a Parada Gay, muitos dos homossexuais que vivem no armário, seja totalmente ou parcialmente, se juntam ao corpo da manifestação e se beijam e trocam carícias em plena Avenida. Porém, é fato de que muitos que lá estão, após o termino do evento, voltam para dentro dos armários em seus variados tipo de ser e existir.

Há muitos que no dia seguinte vão ao trabalho, local onde ninguém sabe de sua homossexualidade. Ainda vivemos com pessoas (empurradas pelo sistema normativo do qual todos fazem parte) que vivem totalmente dentro do armário. Pergunta-se: até que ponto a saída do armário é uma experiência libertadora? Será que nos dias de hoje é possível falar de uma vida 100% fora do armário?

A fala de Caio Castro (“prefiro ter a fama de pegador do que de veado”), evidencia o armário institucional imposto pela indústria da cultura construída dentro do regime liberal. Até por que os atores galãs, classe onde Castro está alojado, são desencorajados a sair do armário, pelo menos para a imprensa e para o seu público – e aqui temos dois tipos de saída de armário – pelos autores de novelas e também por seus empresários.

O motivo já é um velho conhecido: depois que o astro galã revelar o seu verdadeiro sentimento desejante (o homossexual), provavelmente só vai interpretar gays e nunca mais será alçado à categoria de galã. Segundo os mecenas de produtos televisivos e cinematográficos, o mito do galã, este que move centenas de fãs, estará morto e não mais produzirá dividendo dentro da audiência.

Isso é reproduzido por vários setores da imprensa, estar fora do armário enquanto homem heterossexual e “pegador” acabam por alimentar ainda mais o desejo sexual platônico em torno do ator e assim fazer com que ele adquira mais fãs e consiga mais trabalhos na televisão e também no cinema.

Um ator como Caio Castro até pode sair em defesa dos direitos gays (aqui uma outra saída de armário, em outros tempos, o simples fato de defender direitos civis gays seria interpretado como característica de uma possível homossexualidade), atitude que o ator fez logo em seguida à polêmica sucedida à sua declaração. Ao dizer que tem vários amigos gays e que não tem preconceito, mas nunca assumir a sua homossexualidade, a não ser quando este estiver com mais de 50 anos e não for mais headliner de produções culturais, caso muito comum na indústria cultural.

Toda a polêmica gerada em torno da declaração do ator revela que ainda vivemos sob uma forte política do espaço público como local de vivência privilegiada da identidade heterossexual. Ainda vivemos uma época em que a saída do armário não se dá uma única vez, mas que ela é composta por várias etapas de saídas do armário no meio social. Na mesma semana em que Caio Castro deu sua declaração que incomodou a comunidade gay, outra figura também foi vítima da política do armário. Neste caso foi a presidente Dilma Rousseff (PT), desafiada pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) a sair do armário e “assumir o seu amor pelos e com os homossexuais”.

A postura de Bolsonaro nos remete à cultura mais obscurantista em torno da saída do armário, que já foi citada neste texto, aquela em que pessoas não homossexuais resolvem sair do armário e defender os direitos civis dos gays. Não foram poucas as pessoas que, indiretamente concordaram com Bolsonaro, e disseram que a presidente Dilma deveria sair do armário. O fato da presidente não corresponder aos símbolos dominantes da feminilidade, ou da mulher de “verdade” (delicada, passiva e casada), faz com que as pessoas desconfiem de sua orientação sexual e a incitem a sair do armário. Como se vê, a questão de estar dentro ou fora do armário vai muito além da política do assumir, ela está ligada a uma postura política e composta de várias fases e saídas repletas de preconceitos e estruturas opressivas que fazem com que muita gente, galã ou não, permaneça dentro do armário, seja ele qual for.

A filósofa norte-americana Eve Kosofsky Sedgwick (1950-2009) se debruçou sobre o tema ao escrever o clássico texto “A Epistemologia do Armário, onde a estudiosa do gênero estabelece que a saída de armário também se dá com as identidades ciganas, judias, indígenas e outras. Porém, cada uma com a sua especificidade social.

Com esta afirmação entendemos que a questão de sair do armário e assumir publicamente uma identidade social não diz respeito única e exclusivamente à comunidade gay, ela perpassa vários setores da sociedade e é muito mais complexo do que supõe o senso comum.